| Gostaria de formular algumas reflexões sobre o tema desta  tarde: "Pré-requisitos políticos e económicos para a integração  económica". Gostaria de fazê-lo da perspectiva pessoal de alguém que está  acompanhando o processo de integração económica na América Latina, mais  concretamente no Mercosul, como cidadão de um dos quatro países participantes,  cuja economia é de tamanho relativamente menor que a do Brasil. Digo isso porque algumas das reflexões que vou propor são  peculiares à perspectiva de um país que toma a decisão de desenvolver um  processo de integração com outro que tem uma economia relativamente maior, e  isso faz com que nosso caso tenha alguns elementos semelhantes, comuns aos que  se podem propor na relação entre Canadá e Estados Unidos, México e Estados  Unidos, Espanha e a CEE, Hungria e a CEE. Em segundo lugar, para procurar entender os pré-requisitos  políticos e económicos de um processo de integração económica, é preciso  colocar-se da perspectiva de cada um dos países que participam ou decidem participar  de um processo de integração económica. Se procurarmos entender, por exemplo, o  Free Trade Agreement entre o Canadá e os Estados Unidos, as conclusões serão  muito diferentes se observarmos á questão da perspectiva do Canadá ou da  perspectiva dos Estados Unidos. Apenas constato que são diferentes, não que uma é melhor  que a outra. Mas não há uma perspectiva supranacional; não há uma perspectiva  do Free Trade Agreement, da CEE, do Grupo Andino ou do Mercosul: o que há são  perspectivas do Brasil, da Argentina, do Canadá, dos Estados Unidos. Isso é  importante tanto do ponto de vista prático, quanto do ponto de vista teórico. De modo geral, tem-se abusado muito, na teoria da  integração, de uma perspectiva que teoricamente pode ser válida, mas que não  existe na realidade histórica: a hipotética "racionalidade  supranacional" que leva a dizer que "o que é bom para a Comunidade é  bom para seus membros", "o que é bom para o Mercosul é bom para seus  membros". A única perspectiva real que existe é a das realidades  históricas nacionais concretas.  Tendo dito isso para explicitar minha análise, vou  dividir minha exposição em três partes. Na primeira, gostaria de fazer algumas  considerações de tipo conceituai. Depois, gostaria de dizer alguma coisa sobre  os pré-requisitos políticos e económicos para o ponto de partida de um processo  de integração, o "dia zero". Finalmente, quero dizer algo sobre as condições  políticas e económicas para a parte mais difícil de um processo de integração,  que não é o dia zero ou o dia um, mas o dia cinco ou dia dez, quando nos  aproximamos do ponto do qual não há mais retorno. Geralmente, chega-se a esse  ponto muito tempo depois de se haver assinado o tratado e comemorado sua  assinatura. Basicamente, nas três partes da exposição, vou levar em  conta a experiência do Mercosul e também minha própria experiência, tudo o que  venho observando no Mercosul. Porém, como disse no início, creio que muito do  que vou dizer pode ser válido para o mesmo tema visto a partir do Canadá, do  México, da Espanha ou da Hungria. Claro que, ao fazê-lo, não estou comparando o  Brasil com os Estados Unidos nem com a Alemanha: estou apenas propondo uma realidade  que é a assimetria de tamanho económico que leva a uma assimetria de interesse  económico e político em relação ao processo de integração. I. De que  estamos falando ao falar de integração económica?A tendência natural dos políticos, principalmente em nossas  regiões, mas também em outras, é considerarem, numa primeira abordagem, que  integração é muito semelhante a uma good neighbor policy, ou seja, ter um  ambiente de cooperação, de amizade, de não conflito com os vizinhos. Desse  modo, salienta-se muito mais o político do que qualquer outro fator para manter  de modo permanente o clima de boas relações.
 Isto é, a integração, neste caso, é quase sinónimo de  interdependência cooperativa e, como tal, o contrário de interdependência  conflitiva. Havia muito disso em   Jean Monet, na década de 1950, quando ele falava em reverter  a tendência secular para o conflito e queria colocar a relação entre a França e  a Alemanha como uma hipótese de cooperação frente à hipótese  de conflito que havia predominado secularmente. Na relação entre a Argentina e o Brasil, chegou-se a esse  ponto com a assinatura do Acordo Tripartite de 1980, referente ao  aproveitamento dos recursos hídricos. Um eminente diplomata e político  argentino, naquela ocasião embaixador argentino no Brasil, Oscar Camilión,  disse uma coisa muito certa: "Deixamos de lado a hipótese de conflito  permanente como hipótese de trabalho entre nossos dois países". Esse foi o turningpoint, a mudança de  sinal na relação, e isso já é integração do ponto de vista político. Do ponto de vista do investidor e do operador económico,  integração significa a possibilidade, em primeiro lugar e no mínimo, de fazer  mais comércio ou de repartir mercados com terceiros. Essa é a primeira coisa em  que pensa um empresário quando pensa a respeito de integração: “integração é  mais comércio". Esse momento da relação Argentina-Brasil, que é sem dúvida  o eixo da experiência Mercosul, e onde se pode analisar melhor os  pré-requisitos e os requisitos políticos e económicos, certamente foi atingido  muito antes de 1981. Mas é a partir da década de 1980, como consequência da  crise da dívida e do Programa de Integração e Cooperação Argentina-Brasil, que  se verificam progressos significativos em matéria de comércio. A partir daí,  então, é que os empresários começam a dizer que estamos promovendo integração. A coisa fica mais complicada, para o político e para o  empresário, quando se entra em estados mais avançados de integração económica.  Continuamos falando de integração, mas os compromissos são maiores. Do ponto de vista político, os compromissos são maiores  quando, a partir de uma leitura convergente dos desafios da realidade internacional,  se decide compartilhar um programa de trabalho diante da realidade  internacional, sendo então que integração é sinónimo de negociar juntos, de pôr  em comum a capacidade de negociação, de criar um entorno internacional  favorável a projetos políticos de cada um dos participantes. Certamente, há estados mais avançados de integração,  quando já se começa a falar de federalização política, mas no caso do Mercosul  estamos muito distantes disso. Estamos em outra etapa que é a de, a partir de  uma percepção comum de desafios comuns, estabelecermos um programa comum que  esperamos faça aumentar nossa capacidade de negociação internacional na área  política. Do ponto de vista económico, para o empresário e  sobretudo para o investidor, integração económica mais avançada significa poder  planejar seus investimentos em qualquer dos países participantes, em função do  mercado ampliado. Nesse ponto, o investidor vai pedir ao político que lhe  garanta o acesso ao mercado que lhe prometeu. Isto é, a comunidade de negócios  de modo geral começará a dar ênfase às garantias de acesso ao mercado. Pode até  ser que essa seja a motivação que os leve a apoiar a ideia de integração. Se  analisarmos em detalhe o que se passou no Canadá, o motivo principal do Canadá  e dos meios empresariais canadenses não era tanto aumentar suas exportações  para os Estados Unidos, mas adquirir o seguro contra o proteciónismo, isto é,  eliminar o que Dunkell acertadamente chamou de "a restrição não  alfandegária mais perversa que é a precariedade no acesso ao mercado. Em outras  palavras, a possibilidade de que, por meio de um ato unilateral, o país que  possui a economia mais forte restrinja o acesso ao mercado. No fundo, o que o  investidor procura conseguir é que o acesso ao mercado do outro se transforme  em um direito, deixando de ser um privilégio concedido unilateralmente pelo  outro. Essa transformação do acesso, de um "privilégio precário" em  "direito protegido jurisdicionalmente", é que explica o fato de uma  economia menor procurar conseguir um acordo de integração com uma economia  maior. Normalmente, é isso que permite dizer que se formou um bloco ou um  megamercado, mas o que a economia menor de fato busca é garantir para si o  acesso ao mercado do outro. Em síntese, para falar de pré-requisitos políticos e  económicos de um processo de integração, devemos estar de acordo sobre se  falamos de uma integração política muito suave, uma integração política que  implique compartilhar de um programa para o futuro, uma integração que  signifique apenas aumentar o comércio e alguns projetos de cooperação bilateral  até mesmo importantes, ou sobre uma interconexão dos mercados que permita ao investidor  operar em qualquer uma das economias com a garantia -juridicamente protegida-de  que poderá utilizar efetivamente o mercado de cada um dos países. Isso me leva a outra consideração antes de terminar esse  primeiro tema: a de que os conceitos mais clássicos que utilizamos ao falar de  integração económica do ponto de vista económico, tais comofree trade agreement, "zona  de livre comércio", "união alfandegária", "mercado  comum", "união económica , estão hoje em dia, começando a ser  irrelevantes, do ponto de vista prático, inclusive dentro do Mercosul.  Irrelevantes no que se refere aos principais processos de integração que se  desenvolvem neste momento, uma vez que, na prática, cada vez mais ganha  prestígio aquilo que se chama de quality free trade área. Entre os requisitos para que uma "zona de livre  comércio" seja considerada uma quality jree trade área, por exemplo  do ponto de vista da Iniciativa para as Américas, alguns elementos são claros.  Trata-se de uma mistura entre o artigo 24 do GATT, o "código de conduta  macroeconómica" e a world standard legislaúon em matéria de  propriedade intelectual e de investimentos estrangeiros. É uma zona de livre  comércio com taxa alfandegária zero entre os membros, taxa alfandegária externa  de cada um dos países (que pode ser desigual, mas deve ser muito baixa,  consolidada no GATT como taxa alfandegária baixa) e sem restrições  alfandegárias; controle das respectivas macroeconomias; legislação de nível  internacional em matéria de dumping subsídios, propriedade intelectual e  investimentos Ou seja, a qualityfree  trade área pode ter a forma de uma zona de livre comércio (art. 24  do GATT), ou a forma de uma união aduaneira ou a de um mercado comum. A  distinção que pode haver começa a ser quase irrelevante e desaparece a fronteira  entre os três conceitos. Ela possui os elementos que interessam ao operador e  ao investidor para reconhecer que realmente se passou da teoria para a  realidade em matéria de integração económica: a) que se proteja o acesso ao  mercado; se a taxa alfandegária for zero, melhor, mas que o acesso esteja  protegido e garantido; b) que haja um marco macroeconómico de estabilidade que  represente um habitat favorável à competitividade internacional (no caso do Mercosul,  a coordenação macroeconómica está se dando, de facto, porque todos os  países das Américas, pelo menos os latino-americanos, estamos praticando o  mesmo tipo de políticas macroeconómicas, coisa que, em sua versão crítica, foi  denominado "o consenso de Washington"). II Os pré-requisitos no momento da  arrancada, no "dia zero" do Mercado Comum, ou de um processo de  integração O que observamos na experiência concreta do Mercosul  (particularmente no verdadeiro momento inicial que foi o Programa  Argentino-Brasileiro de 1985 em diante) é a presença de fatores (mencionados  sem ordem hierárquica) semelhantes aos que observamos no momento inicial do  Grupo Andino, na década de 1970, e de alguns elementos que também estão  presentes no momento inicial do projeto da Comunidade Económica Europeia:
 
        
        a)  interdependência geográfica, espacial. No caso do Grupo Andino e do Mercosul,  havia baixa interdependência económica, enquanto no caso da CEE havia alta  interdependência económica. Nos três casos, porém, havia grande interdependência  espacial e geográfica; b)  intensa  participação (involvement) do mais alto nível político, não apenas dos  presidentes. O que se observa é uma participação intensa de presidentes,  ministros de Relações Exteriores e ministros de Economia (isso está muito claro  no primeiro momento do Projeto Argentina-Brasil, entre o compromisso do  presidente Alfonsin, o presidente Sarney, dos chanceleres e dos ministros de  Economia); outra coisa que se observa é que, por detrás dos personagens de  nível mais alto, há uma, duas ou três pessoas em cada país que realmente estão  pensando a estratégia. Formando, assim uma espécie de joint-venture entre  o poder político de alto nível e a presença delgente de poder político — e  eventualmente técnico — que está pensando a estrategia. Isso é  analisado num contexto histórico diferente na relação Monet-Schumann na década  de 1950, e o mesmo se dá com alguns dos colaboradores de Adenauer; c) a presença de um contexto de cultura política  favorável à integração. Há uma correlação entre integração e democracia, uma  vez que, de algum modo, é a cultura da negocição (compromise), a cultura  política interna propensa à negociação e ao compromisso, que facilita o  compromisso e a negociação em nível de integração. Integrar países é muito  semelhante à nation building. Regional buildingé negociar 24 horas por  dia, é um exercício continuado de compromisso e, portanto, é preciso haver uma  cultura política nacional favorável à negociação;  d) um "baixo nível de conflito", de situações  de conflito preexistentes. Isto é, "que não haja um problema sério"  de fronteiras ou essas coisas que costumam acontecer nas histórias entre  países, que fazem com que o conflito predomine sobre a cooperação. O caso da  Europa demonstra, ainda que isso seja irreproduzível na América Latina, que o  excesso de conflito leva a procurar a cooperação, sobretudo quando ainda é  recente a memória da versão extrema do conflito, o combate. Isso está claro na  década de 1950, na colocação feita por Jean Monet. Finalmente,  assinalaria dois outros fatores que acredito serem fundamentais: 
        
        a) cada um dos países -e o foco nacional é  essencial- deve ter alguma razão de fundo pela qual procura trabalhar junto  com o outro país. Esse fim poderia ser consolidar a democracia; derrubar as  razões que, em qualquer sociedade, justificam as despesas militares; recuperar  um papel histórico (isso está muito claro no livro branco inglês, quando  explica por que a Grã-Bretanha se incorpora à Comunidade); podem ser razões de  sobrevivência diante de inimigos externos (no caso do Grupo Andino da década de  1960 havia muito do tema da dependência e, portanto, integração era autonomia);  preparar-se melhor para competir num mundo que não tolera solitários — criar um environment para o esforço de competitividade — ou, finalmente, evitar o  isolamento num mundo que está se consolidando em grandes blocos. É preciso que  haja uma razão forte que explique por que o  país se compromete com o processo de integração; b)  tal vez  o fator crucial: que haja em cada um dos países uma coincidência entre a agenda  de integração e a agenda de problemas críticos, económicos e políticos que esse  país administra nesse momento histórico, que é o que explica que o nível  político mais elevado se comprometa a fundo com a integração. III. As condições para manter o processo de integração O processo de integração económica já numa versão  adiantada funciona através do tempo na medida em que se mantenha a correlação  entre a agenda de problemas críticos do respectivo país e a agenda da  integração. A funcionalidade da integração com essa agenda crítica nacional é  que explica politicamente a vitalidade de um processo de integração. Há vários  momentos da integração europeia em que isso se observa (quando De Gaulle não  encontra essa relação entre sua agenda e a agenda do Mercado Comum, ele  questiona o Mercado Comum).
 Neste ponto é que pode ser interessante ver o tema do  Mercosul do ponto de vista das condições para sua vitalidade, o que tem muito a  ver com as condições que lhe deram origem: o Mercosul é vital, importante,  significativo para a agenda de meu país, mas creio que também para a agenda de  problemas críticos de nossos três parceiros, porque é uma consequencia, um  subproduto. É um instrumento de nossos esforços para desenvolver três processos  que são estritamente nacionais, que de todo modo temos que levar avante, e que  esperamos que possam ser mais facilmente bem-sucedidos graças ao Mercosul. E  assim é porque percebemos que nossos três parceiros -tal vez por isso sejam  eles nossos três parceiros- compartilham os mesmos problemas e também procuram  no Mercosul, talvez com diferentes graus de interesse, a mesma funcionalidade  por nós procurada. Os três processos que nos levam a trabalhar juntos são  consolidar a democracia, transformar nossas economias por meio do progresso  técnico (e em condições de equidade social, porque devemos consolidar a  democracia) e, em terceiro lugar, introduzirmo-nos competitivamente nos  mercados mundiais, uma vez que queremos participar da realidade internacional.  Vista por esse ângulo, além de um sem-número de outros fatores, a vitalidade do  Mercosul relaciona-se diretamente com a percepção que cada uma de nossas  sociedades tenha dessa funcionalidade. Isso faz com que não seja viável  analisar o Mercosul em função de problemas circunstanciais ou conjunturais que  se apresentam nesse triplo esforço de consolidar a democracia, modernizar a  economia e participar ativa e competitivamente dos mercados internacionais, mas  sim que devemos examiná-lo, inclusive seus problemas, em função das tendências  profundas e de longo prazo que explicaram a sua origem. Esse  tema não é interessante apenas no caso do Mercosul, como também nos permite  estabelecer um paralelo histórico com outros três momentos em que um grupo de  países tentou desenvolver processos de integração económica. O primeiro momento  foi o das democracias nascentes da Europa de 1950, em que a "ideia de  Europa" permite firmar na França, na Alemanha e na Itália a ideia de  democracia, atribuir um sinal positivo à disciplina que era preciso concretizar  para desenvolver as economias, e permite criar leverage para ter uma  participação naquilo que, depois, De Gaulle chamaria de "o mundo das duas  grandes hegemonias". O mesmo fenómeno se repete na Espanha, na Grécia e em  Portugal na década de 1970.   A ideia de Europa tem muito a ver com a luta para  alcançar a democracia e consolidá-la, para superar a obsolescência e para  incluir-se novamente no mundo. E, finalmente, por que a Hungria, a Polónia e a  Tchecoslováquia procuram entrar para CEE? Em parte por motivos estritamente  económicos, mas em grande parte porque, dessa forma, contribuem para firmar, em  suas respectivas sociedades, a ideia de democracia, de modernização económica e  de inserção internacional. Essas considerações gerais sempre deveriam ser  feitas toda vez que se analise o tema do Mercosul. IV. Outros fatores de tipo político e económico importantes pelo papel que desempenham  relativamente à consolidação do Mercosul no futuro imediato O primeiro fator importante é que cada um dos países, ao  analisar o Mercosul, preserve a perspectiva nacional, a ótica nacional. Temos  observado que, em nossas realidades, começa também a predominar, em alguns  casos, a perspectiva estadual (observa-se isso no Brasil e na Argentina). É o  estado tal, ou a província tal, que vê o Mercosul como uma forma de criar um  habitat de competitividade sistémica em nível estadual que, de maneira  definitiva, permita competir para atrair investimentos e, portanto, gerar  empregos nesse estado.
 Essa perspectiva nacional, ou estadual, na medida em que  se reproduza, é que dará vitalidade ao Mercosul. Não existe urria perspectiva  Mercosul, não existe como tal. O que existem são os interesses nacionais,  estaduais e de cidades que vêem no Mercosul um instrumento para atrair capitais  para seu esforço de competitividade. Um segundo fator importante é que este seja, na prática,  um projeto societal; não é suficiente que seja um projeto governamental ou um  projeto empresarial. Ou seja, de algum modo, o que dará vitalidade ao Mercosul é que a sociedade, em seu conjunto, perceba, na aliança regional, uma  alavanca para melhorar as condições de consolidação da democracia, de  transformação económica, de inserção competitiva nos mercados mundiais. Isso  leva a uma consequência de tipo operacional: no Mercosul, é fundamental  garantir a participação cada vez maior dos setores políticos, dos setores do  trabalho, dos setores empresariais, da comunidade académica; isto é, de tudo  aquilo que, de algum modo, pode significar mobilização da sociedade em função  do acordo. E neste ponto creio que o tema da perspectiva começa a  expandir-se. Já não se trata de uma única perspectiva nacional, nem estadual,  nem do investidor; o Mercosul (como a CEE, o Grupo, Andino ou qualquer projeto  de integração económica de alta densidade política) possui vitalidade na medida  em que diferentes protagonistas dos diferentes países o relacionem com as  palavras-chave que dizem respeito a seus interesses vitais. Por exemplo, o  político verá o Mercosul relacionado com as palavras "paz",  "democracia", "poder de negociação"; o consumidor deveria  vê-lo em termos de "preços baixos", "alta qualidade". Se o  Mercosul não atingir o supermercado, o consumidor, que por sua vez é cidadão,  não verá relação entre o acordo e "sua" agenda de problemas críticos.  O investidor, se for de um país relativamente menor, perceberá no Mercosul a  ideia de mercado (Mercosul = Mercado). Se é investidor de um país relativamente  maior e que está fazendo um esforço de competitividade, provavelmente perceberá  nele a possibilidade de abastecimento de recursos naturais, de insumos básicos  e de recursos humanos. Para um trabalhador que esteja trabalhando, ou não e  queira trabalhar, o Mercosul terá que significar mais  emprego("investimento = emprego"), caso contrário, não vai  entendê-lo. O cidadão que, por sua vez, é trabalhador, investidor, poupador,  consumidor, taxpayer, terá que  percebe-lo como sinónimo de futuro, esperança, progresso. Isso não pode ser medido, mas tem um enorme valor  económico. Prova disso é a CEE que, em diferentes momentos de sua história (no  momento inicial, certamente, mas também com o lançamento da Europa 92), teve  muito mais impacto pela mensagem que transmitiu a seus cidadãos do que por  fatos que se pudessem medir por meio de indicadores económicos. Ou seja, o  valor "expectativa" atinge o cidadão, repercute no investidor,  traduz-se em comportamentos e em expectativas de sinal positivo. Outros dois requisitos são importantes para a vitalidade  do processo do Mercosul. Por um lado, que o comportamento empresarial se  traduza por uma estratégia de médio prazo para, a partir do Mercosul ou do  processo de integração económica, investir para melhorar sua competitividade  empresarial dentro de um padrão de competitividade sistémica. Numa palavra, de  condições macroeconómicas positivas. Porém, somente na medida em que, com o  passar do tempo, se desenvolver esse rede de alianças empresariais (sobretudo,  em função da conquista de terceiros mercados), é que o processo de integração,  particularmente o Mercosul, irá adquirindo solidez, densidade e vitalidade. O segundo fator político, sobretudo durante os dois ou  três primeiros anos, é que, particularmente os empresários, percebam vantagens  sistémicas compartilhadas na ideia do processo de integração, ou seja, que não  o percebam como um "jogo de soma zero", em que alguém tem que perder  e alguém tem que ganhar. É nisso que creio, e aqui quero encerrar minha exposição,  que a combinação de fatores políticos e económicos iniciais, mais a observação  de fatores políticos e económicos que estão ocorrendo neste momento no processo  do Mercosul, levam a explicar por que o mercado, interno e internacional, está  observando com expectativa cautelosa, mas positiva, esse projeto Mercosul. Creio que ele está sendo percebido como um subproduto de  esforços nacionais em torno dos três temas — democracia, transformação  económica e inserção competitiva —, como uma "integração  extrovertida" que não é apenas para utilizar os mercados internos, mas sim  para melhor competir nos mercados mundiais; uma forma de passar da obsolescência  tecnológica para a competitividade. Percebe-se que, de algum modo, sobretudo nas economias  menores, produziu-se um grande debate societário. Observa-se o caso do Uruguai,  o que fez com que os diferentes setores da sociedade começassem a perceber que  ganham com o Mercosul, mesmo quando também tenham a sensação de que podem  perder alguma coisa. Ali se estão observando os primeiros sinais, em alguns  casos muito fortes, de estratégias empresariais (particularmente das companhias  multinacionais que atuam na região, mas também de empresas pequenas e médias de  muitos dos estados e províncias) para tirar proveito do Mercosul. Observa-se um  forte compromisso político do mais alto nível nos quatro países.  A soma de todos esses fatores faz com que se  coloquem em sua perspectiva precisa as visões mais pessimistas, que  podem proceder: 
        
        a) da longa  história de processos fracassados em matéria de integração na América Latina; b)  de sérias  dificuldades circunstanciais, produto da passagem da obsolescência para a  competitividade; c) da  presença de fortes assimetrias macroeconómicas que, analisadas de um ponto de  vista estático, são complexas, mas, se analisadas de um ponto de vista  dinâmico, tenderão a superar-se. Certamente, dessa perspectiva de mais longo  prazo é que devem ser analisadas as diferenças circunstanciais de enfoque, que  podem existir em temas de política económica ou de política exterior entre os  participantes do processo de integração. O processo de integração mais avançado  que existe neste momento no mundo, a Comunidade Económica Europeia, tem  evidenciado nos últimos meses (trinta anos depois de estar desenvolvendo a  integração económica) acentuadas diferenças entre seus parceiros com respeito a  problemas internacionais ou a problemas económicos conjunturais.  Creio, e com isto termino, que o que se está de  algum modo aprendendo no âmbito desses países, é que integração é um processo  de longo prazo que não elimina nem um pouco as divergências, as diferenças e os  problemas de tipo circunstancial. Ao contrário, o aumento da interdependência,  a co-particípação da agenda, pode, em certos momentos, gerar até mesmo atritos  e divergências que são naturais nesse tipo de processo. |