| O Mercosul é muito mais que comércio. Medir seus resultados 
        tão-somente através de fluxos comerciais é deixar 
        de entender sua natureza profunda. Ele deve ser medido também em 
        termos políticos e estratégicos. Seu sentido é criar, 
        para cada um de seus sócios, um ambiente regional favorável 
        à democracia, à transformação da produção 
        e à inserção competitiva no mundo do século 
        21. É um instrumento de estratégia para negociar e competir 
        em escala global. Recordar mais uma vez esse alcance estratégico do Mercosul é 
        fundamental no momento de enfrentar sérias dificuldades. E o que 
        esclarece o recado político que emerge dos encontros presidenciais: 
        o Mercosul e os interesses estratégicos de seus sócios são 
        permanentes; as dificuldades são transitórias. Um critério metodológico central reveste-se, nos dias de 
        hoje, de atualidade: a construção do Mercosul somente é 
        viável num quadro de benefícios mútuos. E o mesmo 
        que se verifica em experiências semelhantes de integração 
        voluntária entre países soberanos, como por exemplo a União 
        Européia e o Acordo de Livre Comércio da América 
        do Norte (Nafta). O pacto associativo sustenta-se no tempo apenas se todos 
        os sócios e a opinião pública perceberem mais benefícios 
        em participar do conjunto do que em isolar-se. Se os custos superarem 
        os benefícios, sempre haverá alternativas. E uma reciprocidade 
        dinâmica de interesses que sustenta o vínculo associativo 
        e suas regras de jogo. Ela não se mede apenas em fluxos de comércio. 
        Mede-se também em expectativas de investimentos e em seus fluxos 
        e na capacidade de negociação com terceiros.A desvalorização do real pode eventualmente alterar seriamente 
        o quadro de benefícios mútuos entre os sócios. Seus 
        efeitos sobre os preços relativos podem se manifestar não 
        so nos fluxos de comércio, mas também nas decisões 
        de localização das atividades produtivas. Ainda é 
        prematuro tirar conclusões sobre os efeitos da crise. Cabe, no 
        entanto, enviar sinais aos mercados, investidores e cidadãos no 
        sentido de que os sócios têm de monitorar de perto seus possíveis 
        efeitos sobre o comércio e os investimentos e que, caso necessário, 
        aplicarão medidas corretivas, atuando, para isso, segundo as regras 
        do jogo do Mercosul e induzindo a acordos setoriais entre os próprios 
        empresários. Esses sinais emergem claramente dos recentes entendimentos 
        presidenciais.
 O gerenciamento eficaz da crise é um primeiro plano das respostas 
        dos governos aos atuais problemas do Mercosul. Implica uma metodologia 
        "caso a caso", com plena consciência de que é prioritário 
        o restabelecimento da reciprocidade de interesses, quando ela possa estar 
        sendo afetada, no caso de determinados produtos, por variações 
        bruscas dos fluxos de comércio explicáveis pelos efeitos 
        da desvalorização do real sobre os preços relativos. 
        É óbvio que, pela dimensão de sua economia, e por 
        estar na origem dos eventuais problemas, corresponde neste plano um papel 
        ativo ao Brasil. Daí o sentido das medidas anunciadas em cumprimento 
        à Decisão 10/94 e sobre financiamento de importações. 
        Os sócios seguirão atentamente outras medidas na mesma direção, 
        necessárias conforme a evolução da atual situação. Restabelecer a credibilidade num Mercosul que não seja apenas 
        um instrumento de comércio eficaz em épocas de bonança 
        econômica exigirá muito mais que um gerenciamento da crise. 
        Sera difícil que investidores e terceiros países com os 
        quais se deseja negociar acordos permanentes associem o Mercosul a fenômenos 
        da mesma natureza que o Nafta e a União Européia, se não 
        se abordarem seriamente algumas de suas notórias deficiências 
        institucionais, entendidas em seu alcance político e econômico, 
        e não apenas jurídico. Nesse sentido, a agenda do "dia 
        seguinte" à crise é volumosa. Seria perigosa a tentação 
        conformista: tudo está bem e nada de novo é necessário. 
        A falta de criatividade e de iniciativas, especialmente dos membros de 
        maior dimensão, levaria facilmente o Mercosul a resvalar para o 
        caminho das experiências que fracassaram, apesar do triunfalismo 
        dos protagonistas do momento. São necessárias agora iniciativas 
        para o futuro próximo que apenas frutificarão na realidade 
        e no consenso. Um debate prévio é necessário em cada 
        país e nos ainda frágeis foros conjuntos focalizados em 
        protagonistas sociais e políticos. São os seguintes os planos de ação necessários: 
        1) considerar de interesse comum as respectivas políticas macroeconômicas, 
        especialmente em matéria fiscal e cambial, limitando os efeitos 
        de eventuais disparidades bruscas, como passo anterior ao objetivo de 
        longo prazo de uma união monetária (pode ser útil 
        o modelo do artigo 107 do Tratado de Roma e o do Pacto de Estabilidade, 
        que permitiu chegar ao euro); 2.) institucionalizar a flexibilidade, prevendo 
        medidas de emergência em casos previamente pautados (o modelo do 
        artigo 107 é útil para superar a atual situação, 
        na qual talvez somente se poderia aplicar a Resolução 70 
        da Aladi, em vista da ausência de válvulas de escape do próprio 
        Mercosul); 3) reforçar a estrutura institucional com algum órgão 
        que reflita a visão de conjunto e que tenha competência de 
        arbitragem técnica na adoção de decisões (fugindo 
        a visões maximalistas e a esotéricas discussões acadêmicas 
        sobre o malde-finido conceito de "supranacionalidade"); 4) incluir 
        serviços e compras governamentais com um enfoque próprio 
        de um mercado comum, e não com o de uma zona de livre comércio, 
        que é o que vem predominando nas negociações sem 
        nenhum vigor já realizadas; 5) firmar acordos setoriais, com participação 
        empresarial, orientados para a exportação; 6) pactuar a 
        defesa comercial conjunta, incluindo em seu âmbito o anti "dumping" 
        intra-zona; 7) promover e financiar de forma conjunta exportações 
        extrazona e projetos de exportação; 8) concluir as negociações 
        no setor automotivo e do açúcar; e 9) incluir o Chile como 
        membro pleno, encarando com senso prático a questão de sua 
        adequação à tarifa alfandegária externa comum. 
        Se nesses campos não se tomarem medidas de imediato, o Mercosul 
        dificilmente terá credibilidade, para além de retóricas 
        de ocasião, como interlocutor válido de investidores, bem 
        como do Nafta e da União Européia. Claro está, portanto, 
        que é muito o que está em jogo. |