|  A resposta a algumas das questões que ficaram em aberto por ocasião 
        da reunião ministerial de Quito, envolvendo o futuro da Alca -por 
        exemplo, o alcance das propostas negociadoras, essencial para definir 
        o perfil do acordo hemisférico, seja como uma verdadeira zona de 
        livre comércio ou como uma rede de acordos bilaterais ou plurilaterais 
        - dependerão do Mercosul e da vontade política de avançar 
        em sua construção. Entre outras, esta é uma pergunta 
        relevante: será o Mercosul capaz de superar suas atuais dificuldades 
        e, além disso, conseguirá negociar como uma unidade - o 
        que supõe resolver, entre outras, a questão de sua política 
        tarifária comum -, e preservar sua identidade em um espaço 
        hemisférico de livre comércio? Para uma resposta a essa pergunta, é útil examinar possíveis 
        cenários futuros do Mercosul e de sua inserção na 
        Alca e de sua relação com a União Européia 
        (UE). Isso ocorre por três razões. A primeira é o fato 
        de que depois de Quito e da vitória dos republicanos nos EUA, é 
        razoável prever que as negociações hemisféricas 
        entrarão, no primeiro semestre de 2003, numa etapa marcada por 
        definições de forte alcance político, com repercussões 
        inclusive na evolução das negociações com 
        a UE. Apesar de que o avanço em ambas as frentes dependerá 
        das negociações agrícolas na Organização 
        Mundial do Comércio (OMC), também será relevante 
        a coesão entre a Argentina e o Brasil, e seus parceiros no Mercosul. 
        A segunda é que diante do estancamento atual, pode-se detectar 
        vontade política de encarar iniciativas que dêem vigência 
        ao Mercosul como plataforma para competir e negociar no mundo. Exemplos 
        disso são o acordo de livre circulação de pessoas, 
        cuja assinatura foi anunciada para o próximo encontro de cúpula 
        de Brasília e o exercício de reflexão sobre o Mercosul 
        - convocado pela presidência pro-tempore exercida pelo Brasil -, 
        que culminará em 4 de dezembro com uma reunião no Rio de 
        Janeiro. A terceira são as definições de Luiz Inácio 
        Lula da Silva envolvendo uma aliança estratégica com a Argentina 
        e um Mercosul multidimensional. Pelo menos três cenários são imagináveis para 
        o futuro do Mercosul. O primeiro é o da estratégia adotada 
        em sua fundação em 1990. Seria um Mercosul que, superando 
        suas limitações, se aprofunda em um espaço econômico 
        comum - no longo prazo, uma união econômica e monetária 
        -, concretizando em 2005 sua participação na Alca - ou, 
        como variante interessante, um acordo 4+1 com os EUA - e um acordo com 
        a UE. Esse é o cenário privilegiado até o momento. 
        Depende, agora, da criatividade técnica com que se encarem as insuficiências 
        atuais com relação a sua qualidade institucional, ao alcance 
        de uma preferência econômica com instrumentos flexíveis 
        e previsíveis, e à disciplina coletiva entre os parceiros. 
        Ele deveria permitir a incorporação plena do Chile dentro 
        de prazos razoáveis. É um cenário que exige uma liderança construtiva 
        dos EUA, que valorize o aprofundamento do Mercosul como contribuição 
        para a estabilidade democrática na América do Sul. Isso 
        significaria reconhecer o papel significativo que pode ter, para o arco 
        andino sul-americano, um núcleo fundamental de democracias consolidadas 
        na Argentina, Brasil, Chile e Uruguai. Poderia resultar no desenvolvimento 
        da idéia original do "4+1" como peça necessária 
        na construção de uma Alca aceitável. Permitiria absorver, 
        no plano interno, fortes questionamentos à legitimidade das propostas 
        de livre comércio hemisférico, ao menos tal como elas foram 
        formuladas até o momento. Conciliar tensões culturais e 
        políticas entre globalização e identidade nacional, 
        este seria o valor político de um Mercosul de qualidade. Este é 
        um cenário possível e desejável. Com vontade e liderança 
        políticas, isso não é utópico. Um segundo cenário seria o da diluição do Mercosul 
        em uma zona de livre comércio hemisférica, no formato atual 
        da Alca ou segundo a alternativa de uma rede de livre comércio 
        tendo os EUA como epicentro. Isso pressupõe a transformação 
        do Mercosul em uma zona de livre comércio ou sua gradual lenta 
        transição "de facto" para um status de irrelevância 
        na agenda de problemas críticos dos parceiros, inclusive sua dissolução 
        formal, pelo menos em seu componente comercial preferencial. Este cenário 
        poderia ser complementado por acordos bilaterais de países do Mercosul 
        não apenas com os EUA, mas também com a UE. É um 
        cenário que debilitaria a capacidade de negociação 
        dos parceiros, inclusive do Brasil, que em virtude da assimetria de poder 
        relativo obteriam menor satisfação de seus interesses nacionais. 
        Poderia enfrentar, além disso, questionamentos de legitimidade 
        em alguns dos países do Mercosul, com implicações 
        políticas. Não seria uma contribuição para 
        a estabilidade democrática na América do Sul. Ao contrário, 
        isso poderia produzir forças centrífugas que se observam 
        no horizonte sul-americano. Trata-se de um cenário possível 
        e provável, porém menos desejável do que o primeiro. Finalmente, um terceiro cenário imaginável, seria o de 
        um Mercosul que continue em sua inércia atual ou com melhorias 
        apenas cosméticas ou, inclusive, que pretenda seu aprofundamento, 
        mas rechaçando negociações razoáveis com os 
        EUA e com a UE. Isso equivaleria a um Mercosul introvertido e protecionista. 
        Não seria compatível com a idéia que o fundou nem 
        com os compromissos assumidos. Seria outro Mercosul. Isso não compatível 
        com as realidades políticas e econômicas de seus parceiros. 
        Na prática, isso poderia resultar no cenário da diluição 
        do Mercosul, com alguns de seus atuais membros optando por outros caminhos 
        mais de acordo com suas necessidades. Não é um cenário 
        desejável.Mais de dez anos depois da criação do Mercosul e do lançamento 
        tanto da idéia do livre comércio hemisférico como 
        a do acordo com a UE, não se observam vantagens nos cenários 
        alternativos ao vislumbrado na etapa de fundação do Mercosul. 
        Qual seja, a de complementaridade e sustentação mútua 
        das três iniciativas no marco multipolar e equilibrado da OMC. É 
        isso o que precisa ser defendido. Mas nem todos estão de acordo 
        a esse respeito.
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