|  1.DUAS CONSTRUÇÕES REGIONAIS DIFERENTES [1] Pontos de partida, condições, caminhos, metodologias, graus 
        de avanços e experiências diferentes: os processos de integração 
        da União Européia e do MERCOSUL apresentam contrastes notórios. 
        Eles são importantes para compreender o processo de negociação 
        orientado para estabelecer uma associação bi-regional de 
        caráter estratégico, iniciado formalmente em 1999, mas cujos 
        antecedentes remontam a abril de 1991, quando semanas depois de firmado 
        o Tratado de Assunção, os chanceleres dos quatro sócios 
        do MERCOSUL apresentaram em Bruxelas o projeto de integração 
        recém-criado. Mas também o são para compreender o 
        desenvolvimento posterior das negociações em torno do projeto 
        de associação estratégica que se decidiu estabelecer 
        entre ambas as regiões. Com efeito, a União Européia e o MERCOSUL iniciam seu caminho 
        de integração em momentos históricos diferentes. 
        No caso europeu, poucos anos depois de uma guerra mundial e no início 
        da Guerra Fria; no caso sul-americano, nos estertores da Guerra Fria e 
        no começo do mais recente período de globalização 
        econômica. São ambos, além disso, contextos históricos 
        que mudaram muito. Do mesmo modo, o grau de desenvolvimento econômico difere substancialmente 
        entre as duas regiões. Segundo dados de 2004, o PIB da União 
        Européia era de 8.181 bilhões de dólares; o do MERCOSUL 
        alcançava somente 816 bilhões. A renda per capita era, no 
        primeiro caso, de US$ 21.643, enquanto se estimava que no caso do MERCOSUL 
        era de apenas US$ 3.700. Também é distinta a relevância no comércio 
        mundial de bens. A União Européia representa aproximadamente 
        20% do comércio mundial de bens, o MERCOSUL, 2%. Se considerarmos 
        o comércio de serviços e os fluxos de investimentos diretos, 
        as diferenças são ainda mais expressivas. A importância relativa do comércio bi-regional para o MERCOSUL 
        e para a União Européia apresenta contrastes marcados. Para 
        o MERCOSUL, o comércio exterior com a União Européia 
        representa aproximadamente 25% das exportações e 33% das 
        importações. Para a União Européia, ao contrário, 
        tal porcentagem é somente de cerca de 3% (levandose em conta que 
        o comércio intracomunitário representa aproximadamente 60% 
        do total). A União Européia é o segundo sócio 
        comercial do MERCOSUL. Este, por sua vez, é,o nono sócio 
        comercial da União Européia. Concretamente, a União Européia tem uma clara dimensão 
        econômica maior e um maior grau de desenvolvimento relativo do que 
        o MERCOSUL. Integramna nações de diferentes tamanhos e graus 
        de desenvolvimento. Tem um núcleo duro de países altamente 
        industrializados. O MERCOSUL, por sua vez, também tem marcadas 
        assimetrias de tamanhos e graus de desenvolvimento entre seus sócios. 
        Tem um núcleo duro de dois países que, em uma perspectiva 
        internacional, podem ser considerados de industrialização 
        intermediária. Mas inclusive entre eles existem diferenças 
        significativas de dimensão econômica e importância 
        comercial relativa. Como observamos, o bloco sulamericano é muito 
        menos relevante para a economia européia do que a União 
        Européia para suas economias, medida tal relevância pelos 
        fluxos recíprocos de comércio e investimento e por seu peso 
        relativo no total de suas transações econômicas externas. Os caminhos escolhidos para as respectivas construções 
        regionais e as metodologias empregadas para percorrê-Ios também 
        diferem. Dois exemplos o ilustram, em relação às 
        regras de jogo e aos processos de produção e aplicação 
        de normas comuns. O primeiro é que o Tratado de Roma, que criou em 1957 a Comunidade 
        Econômica Européia, teve 248 artigos, enquanto que o Tratado 
        de Assunção, que criou o MERCOSUL em 1991, tem apenas 28 
        artigos. Isso é somente um reflexo da existência de sistemas 
        jurídicos próprios de cada região, que têm 
        distintos graus de complexidade e de evolução. No caso europeu, 
        por exemplo, os países que se incorporaram como novos membros em 
        10 de maio 2004 tiveram de adotar um "ativo comunitário" 
        refletido em aproximadamente 80 mil páginas de normas e regulamentações. O segundo exemplo é que no caso europeu, desde o começo 
        se estabeleceram dois órgãos principais integrados por funcionários 
        que não respondem a instruções de seus respectivos 
        governos: a Comissão e a Corte de Justiça. Eles trazem uma 
        visão comum independente na formulação de decisões 
        comunitárias e asseguram a primazia do direito no desenvolvimento 
        do processo de integração. Além disso, permitem proteger 
        os interesses dos sócios de menor dimensão econômica 
        relativa. Ao contrário, no MERCOSUL, os dois princip,ais órgãos 
        - o Conselho do MERCOSUL e o Grupo Mercado Comum - foram desde o começo 
        de composiçio intergovernamental, isto é, órgãos 
        comuns, mas integrados exclusivamente por representantes de cada governo. 
        Não se previu nenhum órgão integrado por funcionários 
        independentes dos governos. A Secretaria Administrativa teve uma função 
        muito limitada ao plano administrativo. Criou-se depois, pelo Protocolo 
        de Brasília, em 1992, um mecanismo de solução de 
        controvérsias através de tribunais arbitrais ad hoc. Só mais recentemente o MERCOSUL experimentou uma evolução 
        institucional significativa, mas que ainda não está consolidada. 
        Reflete-se na nomeação de um presidente do Comitê 
        de Representantes Permanentes e de um secretário com funções 
        técnicas, ambos independentes de seus respectivos governos. E se 
        reflete também na implementação do Protocolo de Olivos 
        que estabelece, entre outras inovações, um mecanismo arbitral 
        permanente, e, mais recentemente, na assinatura do protocolo que cria 
        o Parlamento do MERCOSUL, que deve ser ainda ratificado pelos respectivos 
        parlamentos nacionais. Podem ser considerados embriões valiosos 
        para uma evolução institucional fUtura mais acentuada que 
        permita construir um espaço crescente para opiniões independentes 
        dos respectivos governos na formação e aplicação 
        das regras de jogo do MERCOSUL, e para uma maior participação 
        cidadã no processo de integração. Os graus de avanço alcançados no processo de integração 
        também apresentam contrastes fortes entre uma e oUtra região. No caso europeu, afora algumas notórias imperfeições 
        - por exemplo, em matéria de serviços e no setor energético 
        - o mercado único é uma realidade cotidiana para empresas, 
        consumidores e trabalhadores. Não é apenas conseqüência 
        dos símbolos que refletem na vida cotidiana a existência 
        da dimensão européia nas respectivas dimensões nacionais 
        e subnacionais, como por exemplo, a bandeira, o passaporte e as trilhas 
        nas repartições de migrações dos aeroportos 
        internacionais. Além disso, os fluxos de comércio e investimento entre 
        os países membros ocupam um lugar muito significativo na atividade 
        econômica da região. As normas comunitárias regulam 
        um espectro amplo da vida econômica e social dos europeus. Já 
        se chegou à etapa de uma união econômica e monetária. 
        O euro é a moeda comum, uma das mais notórias evidências 
        que a maioria dos cidadãos europeus têm todos os dias de 
        seu pertencimento a uma mesma comunidade. Para eles, a Europa é 
        uma realidade palpável e positiva. O imaginário coletivo 
        a associa à lógica da integração e não 
        à da fragmentação e, eventualmente, do combate, como 
        ocorreu durante séculos, antes de 1950. No caso do MERCOSUL, o comércio e os investimentos recíprocos 
        ainda são relativamente marginais em relação ao total 
        global, especialmente para as duas principais economias da área. 
        Há, no entanto, exceções significativas ao princípio 
        do livre comércio irrestrito, principal compromisso formal assumido 
        quando foi assinado o Tratado de AI>sunção. Não 
        se completou ainda o estabelecimento da união alfandegária. 
        O código aduaneiro comum não. está vigente. Alguns 
        dos supostos básicos do pacto constitutivo original ainda não 
        puderam se desenvolver, tais como o da livre circulação 
        de serviços, a coordenação macroeconômica e 
        a integração setorial. Os governos se comprometeram a completar 
        a união alfandegária em 2006. Na Cúpula do MERCOSUL 
        de Montevidéu, em dezembro 2005, deram passos no sentido de concretizar 
        tal objetivo. Depois da experiência acumulada no caminho percorrido até 
        o presente, os cidadãos de uma e de outra região têm 
        vivências e percepções diferentes. No caso europeu, se sabe que o caminho para frente apresenta ainda muitas 
        dificuldades e, inclusive, incertezas. A última ampliação 
        da União Européia (1 de maio 2004), apresenta ainda enormes 
        desafios de governabilidade do processo de integração. Tem-se 
        consciência de que o número de países-membros e a 
        disparidade em graus de desenvolvimento e níveis de renda complicarão 
        a tarefa futura. Mas a percepção continua sendo a de uma experiência 
        bem sucedida de ganhos mútuos e com um alto grau de irreversibilidade. 
        A sociedade civil e as empresas valorizam o que foi conquistado e continuam 
        até agora imaginando um futuro que passa necessariamente pela idéia 
        de uma Europa integrada. O tecido de "solidariedades de fato", que Jean Monnet visualizou 
        em sua proposta de 1950, é hoje sumamente denso. É a principal 
        rede de sustentação e legitimidade social do projeto de 
        integração. Os progressos na construção européia, 
        tal como a incorporação dos dez novos membros da Europa 
        Central e Oriental, foi objeto em seu momento de autênticos festejos 
        populares. Não obstante, em 2005, o rechaço dos cidadãos 
        da França e da Holanda ao projeto de Constituição 
        Européia pôs em evidência um problema de legitimidade 
        social que ainda precisa ser resolvido. No caso do MERCOSUL, também se percebem as dificuldades e desafios 
        de sua construção futura. Mas o projeto comum continua ainda 
        longe da vida diária dos cidadãos de seus países-membros. 
        O quão irreversÍvel é o processo de integração, 
        isso ainda é objeto de debates internos. Por momentos, reaparecem 
        dúvidas existenciais sobre o sentido e o alcance do processo de 
        integração. Não hácerteza sobre os ganhos 
        mútuos e menos ainda que o processo esteja próximo de um 
        ponto sem retorno. O positivo é que, em geral, se valoriza a idéia estratégica 
        encarnada no MERCOSUL. Ao menos a vontade política de avançar 
        parece firme. Ela foi reiterada com freqüência no mais alto 
        nível político. Mas muitas vezes surgem dúvidas sobre 
        se o caminho para um mercado comum poderá ser percorrido em plenitude. 
        A rede de interesses comuns e de interações sociais entre 
        os sócios é ainda débil. Os interesses setoriais 
        contraditórios nem sempre têm uma base institucional sólida 
        para conseguir sua articulação. O MERCOSUL continua sendo percebido como parte do horizonte futuro da 
        região. Mas há dúvidas sobre os alcances que poderá 
        ter e sobre os tempos requeridos para alcançar seu pleno funcionamento. 
        No imaginário coletivo, o MERCOSUL é ainda difuso e débil. 
        Mas ainda assim é valorizado, sobretudo pela mudança qualitativa 
        ocorrida nos últimos vinte anos nas relações políticas 
        e econômicas entre os países da região e também 
        com os países associados. Não obstante, são crescentes os sinais de insatisfação 
        com os resultados obtidos e com a orientação do processo 
        de integração. Eles se manifestam nos quatro sócios. 
        Ocasionalmente, com certa virulência. Mas são especialmente 
        fortes nos de economia menores ou relativamente menos desenvolvidas, isto 
        é, Paraguai e Uruguai. A incorporação da Venezuela como membro pleno do MERCOSUL 
        requer, para sua concretização final, passos que o país 
        caribenho deverá dar no futuro. É um processo que pode demandar 
        um certo tempo para completarse, difícil ainda de estimar com precisão. 2. DUAS CONSTRUÇÕES REGIONAIS COM ELEMENTOS COMUNS Apesar das diferenças significativas existentes, é fundamental 
        destacar que, tanto no MERCOSUL como na União Européia, 
        se perseguem objetivos estratégicos similares: construir gradualmente 
        espaços regionais permanentes de paz, democracia e liberdade, a 
        fim de alcançar níveis elevados de bem-estar social e de 
        desenvolvimento econômico que permitam uma inserção 
        melhor das nações participantes no sistema internacional. O MERCOSUL e a União Européia pertencem a um mesmo tipo 
        de fenômeno internacional, de desenvolvimento muito recente e inédito 
        em termos históricos. Trata-se do fenômeno das alianças 
        voluntárias entre nações soberanas e sociedades abertas, 
        que decidem livremente compartilhar espaços econômicos com 
        regras e institUições comuns, com a finalidade de alcançar 
        o pleno desenvolvimento de seu potencial econômico e social, e competir 
        e negociar melhor em um mundo globalizado. Em ambos os casos, aceita-se a idéia de que se trata de construções 
        graduais nutridas de passos incrementais, baseados na preservação 
        da reciprocidade de interesses entre os países participantes. A 
        metodologia implícita nos pais fundadores da integração 
        européia está também presente nos momentos de fundação 
        do MERCOSUL, em 1990, cuja origem remonta ao Programa de Integração 
        e Cooperação entre Argentina e Brasil, lançado em 
        1986. [2]Mais que um produto final, a ação conjunta está orientada 
        por objetivos estratégicos de longo prazo, que implicam que as 
        relações entre as nações que compartilham 
        um espaço geográfico estejam orientadas pela lógica 
        da integração e não pela da fragmentação.
 E se sabe que o caminho para tais construções não 
        é linear. Ao contrário, tem a característica de ser 
        uma espécie de corrida de obstáculos, em que o fundamental 
        é a vontade política de preservar a direção 
        estratégica e a habilidade para adaptar metas e ritmos de avanços 
        às realidades cambiantes originadas no ambiente internacional, 
        na vida interna de cada sócio e nos próprios efeitos produzidos 
        pelo processo de integração. Em ambos os casos, se reconhece 
        que percorrer o caminho da integração exige uma razoável 
        flexibilidade para assegurar sua governabilidade. O problema que se detecta no caso concreto do MERCOSUL é o de 
        como conciliar tal flexibilidade com o grau de previsibilidade que aqueles 
        que tomam decisões de investimento ou que negociam com a região 
        exigem para assegurar seus respectivos interesses. Isso significa incorporar 
        pautas de flexibilidade às próprias regras do jogo do processo 
        de integração. A União Européia teve êxito 
        nesse plano e sua experiência é um ponto de referência 
        válido, mas não necessariamente um modelo a seguir. A chave 
        para a construção de regiões organizadas éque 
        cada uma encontre o modelo adaptado a suas circunstâncias particulares. É muito importante destacar que tanto o MERCOSUL como a União 
        Européia tiveram sucesso no desenvolvimento de uma área 
        de paz entre seus membros. Os conflitos de interesses subsistem e, muitas 
        vezes, se manifestam claramente, como é natural entre nações 
        diferentes em suas dimensões econômicas e em seus graus de 
        desenvolvimento, mas que compartilham um mesmo espaço geográfico 
        e têm uma significativa interdependência política e 
        econômica. Mas em ambos os casos, aceitou-se a idéia de resolvê-Ios 
        dentro de marcos institucionais e com regras comuns, embora, na prática, 
        isso pareça, em certos momentos, inalcançável. O 
        conseqüente efeito de disciplina coletiva - com seu impacto no efeito 
        de disciplina interna em cada pais-membro - é um dos principais 
        ativos de um processo de integração profunda. É hoje 
        mais forte no caso europeu que no do MERCOSUL. O princípio democrático é, nas duas regiões, 
        uma condição ineludivel para participar no desenvolvimento 
        dos respectivos processos de integração. Por isso, a idéia 
        de participação cidadã e das sociedades civis é 
        aceita e valorizada como elemento fundamental para a sustentação 
        e a legitimidade social do respectivo empreendimento comum. Como se verá 
        depois, a qualidade e a intensidade de tal participação 
        são fatores essenciais para o êxito da governabilidade de 
        um processo de integração regional. Em ambos os casos, a identidade regional não é concebida 
        como substituta das respectivas identidades nacionais. Ao contrário, 
        se supõe que o processo de integração contribui para 
        afirmar o próprio no âmbito do comum. As idéias de 
        nação e de região se sustentam e potencializam reciprocamente. 
        Uma não substitui a outra. Os dois processos, da União Européia e do MERCOSUL, são 
        multidimensionais, com profundas implicações políticas, 
        sociais, culturais e econômicas. Não se trata somente de 
        obter mais comércio e investimentos entre os sócios. Isso 
        é certamente relevante e condição necessária, 
        mas não suficiente.Tratase, sobretudo, de compartilhar, de forma sistemática e institucionalizada, 
        recursos, mercados e esforços sociais, para alcançar objetivos 
        comuns valorizados pelas respectivas sociedades e que transcendem o plano 
        econômico e comercial. Por isso, são processos de integração 
        profunda que aspiram a sua permanência e irreversibilidade. Não 
        são alianças conjunturais: têm raizes na história 
        e projeção para o futuro. Daí sua força como 
        idéia estratégica.
 E em ambos os casos, a construção regional supõe 
        uma inserção ativa de cada sócio e do conjunto no 
        cenário global. A região não esgota a realidade internacional 
        de seus componentes. Ao contrário, a idéia é que 
        a região potencialize as possibilidades de cada país-membro 
        e do conjunto de competir e negociar melhor no mundo. Não são 
        alianças exclusivas, nem excludentes, [3] mas alianças privilegiadas 
        que exigem de seus sócios lealdades e disciplinas comuns. Por isso, 
        são sustentadas e orientadas por regras comuns, livremente aceitas 
        pela vontade soberana de cada país-membro, expressada, por sua 
        vez, no marco das respectivas legitimidades democráticas. De uma forma ou outra, o que se aspira é construir um ambiente 
        favorável a todos os cidadãos, em termos da vigência 
        de valores democráticos, de liberdade, de justiça e de prosperidade 
        econômica e social. De forma explícita, os cidadãos 
        e seu futuro individual e coletivo são o eixo central das respectivas 
        construções regionais. Decorre disso a validade da expressão 
        de que o que se integram são nações e povos, e não 
        apenas Estados. É um conceito que tinham muito claro os pais fundadores 
        da integração européia, tais como Jean Monnet, Robert 
        Schuman e Konrad Adenauer. É um conceito, em geral, aceito no caso 
        do MERCOSUL, ao menos pelos que transcendem a dimensão estritamente 
        comercial e econômica do processo de integração. 3. DUAS REGIÕES COM DENSIDADE DE INTERESSES COMUNS Entre os países do MERCOSUL e da União Européia 
        existe uma forte densidade de interesses comuns, nutridos em profundos 
        laços culturais, humanos e históricos. São muitos 
        séculos de vasos comunicantes em seus respectivos desenvolvimentos 
        políticos e econômicos. As duas regiões tiveram uma 
        longa história compartilhada, no plano do comércio, dos 
        investimentos, das correntes migratórias, dos fluxos tecnológicos 
        e das idéias. No imaginário coletivo dos povos do MERCOSUL, a Europa é 
        parte central de seu passado, de seu presente e, inclusive, de seu futuro. 
        Ocupa um lugar diferente, mas igualmente significativo, do próprio 
        âmbito latino-americano e hemisférico. Mas também é significativo para muitos países europeus, 
        com fortes interesses econômicos na região do MERCOSUL e 
        com múltiplos vínculos humanos e culturais. Centenas de 
        empresas européias operam, em muitos casos há várias 
        décadas, em países do MERCOSUL. Milhões de cidadãos 
        de países do MERCOSUL têm suas raízes familiares em 
        países europeus. A rede de laços familiares é densa 
        e muitos são cidadãos com dupla nacionalidade e votam em 
        algumas eleições nacionais européias. Esse vínculo 
        aumentou recentemente com a presença de milhares de cidadãos 
        dos países do MERCOSUL provenientes dos países da Europa 
        Central e Oriental. Além disso, a União Européia e o MERCOSUL compartilham 
        o interesse em fottalecer um sistema multiiateral global, regido por normas 
        e instituições comuns, tanto no âmbito das Nações 
        Unidas como no mais recente da Organização Mundial do Comércio. 
        Ambas as regiões rejeitam a idéia de um mundo unipolar ou 
        de um mundo anárquico dominado pela violência e a irracionalidade. 
        Compartilham interesses e visões no plano da segurança internacional 
        e em relação aos novos desafios que se manifestaram com 
        crueza em anos recentes, tais como os do narcotráfico, do crime 
        organizado e do terrorismo. Em ambos os casos, valorizase a idéia da construção 
        de um mundo pluralista e multicultural, em que predominem a razão 
        e a moderação, e no qual os conflitos entre nações 
        sejam resolvidos com o predomínio de regras e por métodos 
        pacificos. As regiões consolidadas e organizadas em torno de principios democráticos, 
        abertas ao mundo em todos os planos e não somente no comercial, 
        são consideradas pelo MERCOSUL e pela União Européia 
        blocos positivos e necessários para a construção 
        do sistema comercial global. Elas são vistas como conciliáveis 
        com os principios e regras multilaterais, encarnados hoje na Organização 
        Mundial do Comércio. Por isso, as duas regiões valorizam a idéia de consolidar 
        a Organização Mundial do Comércio, apesar da clara 
        diferença de seus interesses nas atuais negociações 
        no marco da Rodada de Doha, especialmente no campo do comércio 
        agrícola, como um instrumento para a liberação dos 
        fl~xos de comércio e investimentos, para a geração 
        de regras e disciplinas coletivas com legitimidade social e para contribuir 
        com eficácia para o desenvolvimento econômico de todos os 
        países-membros, em um mundo marcado por profundos desequilíbrios 
        sociais que põem em risco sua coesão para o futuro. 4. A IDÉIA DE UMA ASSOCIAÇÃO ESTRATÉGICA 
        SI-REGIONAL Como observamos mais acima, desde seu momento de fundação, 
        o MERCOSUL estabeleceu como objetivo o desenvolvimento de uma relação 
        especial com a então Comunidade Européia. Tal objetivo de 
        interesse comum se plasmou em 1995 no Tratado Marco de Associação 
        Bi-regional, firmado em Madri. As negociações do acordo bi-regional foram iniciadas após 
        a primeira Cúpula entre chefes de Estado e de Governo da União 
        Européia e da América Latina e do Caribe (UE/ALC), realizada 
        em junho 1999, no Rio de Janeiro. Desenvolveram-se no âmbito dos 
        mecanismos estabelecidos a respeito, entre os quais se destacam o Comitê 
        de Negociações Bi-regionais. Na segunda Cúpula União 
        Européia-América Latina e o Caribe, realizada em maio 2002, 
        em Madri, a idéia ganhou um forte impulso político. Na reunião 
        ministerial bi-regional de novembro 2003, estabeleceu-se um "plano 
        de vôo" que deveria ter conduzido à assinatura do acordo 
        em outubro 2004. [4] O acordo bi-regional entre o MERCOSUL e a União Européia 
        deverá assentarse sobre três pilares fundamentais: o político, 
        o da cooperação econômica e o do livre comércio. 
        Nas negociações já desenvolvidas, houve avanços 
        substantivos. Não obstante, até o primeiro trimestre de 
        2006 ainda não pôde chegar a um acordo, especialmente em 
        relação ao componente livre comércio. No plano das negociações comerciais, concordou-se que questões 
        relevantes como a dos subsídios às exportações 
        agrícolas e os apoios domésticos à produção 
        agrícola deverão ser resolvidos no âmbito mais amplo 
        da Organização Mundial do Comércio. O que se procura é um acordo preferencial amplo, que contenha 
        compromissos de liberação comercial mais profundos que os 
        assumidos pelas duas partes no âmbito do sistema comercial multilateral 
        global. Mas ao mesmo tempo, buscase um acordo preferencial que seja plenamente 
        compatível com os compromissos assumidos na Organização 
        Mundial do Comércio e, em especial, no GATT-1994 e no Acordo Geral 
        sobre Serviços (GATS). Uma das principais dificuldades que foi preciso enfrentar nas negociações 
        mais recentes é precisamente o fato de que as negociações 
        que es~ão sendo realizadas no âmbito global têm ainda, 
        no primeiro trimestre de 2006, um futuro incerto. Isso gerou a necessidade 
        de alcançar compromissos comerciais que contemplem os interesses 
        de ambas as partes, que sejam consistentes com as regras da Organização 
        Mundial do Comércio, e que possam depois evoluir à luz dos 
        resultados que sejam finalmente obtidos nas negociações 
        globais iniciadas na reunião ministerial de Doha, em 2002. O que está claro é que a associação estratégica 
        bi-regional não se esgota no plano da integração 
        comercial; ao contrário, persegue finalidades mais amplas. Pelo lado da União Européia, aspira-se dar uma contribuição 
        eficaz à consolidação de um MERCOSUL efetivo e profundo. 
        Outro objetivo prioritário émelhorar substancialmente o 
        acesso de bens, serviços e investimentos de origem européia 
        nos mercados do MERCOSUL, incluindo as compras governamentais. Pretende-se 
        também ter regras de jogo efetivas e de qualidade. Pelo lado do MERCOSUL, aspira-se gerar um espaço bi-regional, 
        não apenas favorável à consolidação 
        do processo de integração. Ele é visto como um elemento 
        fundamental para o desenvolvimento de cada uma das economias nacionais, 
        e como uma plataforma que permita potencializar os próprios esforços 
        de transformação produtiva e de inserção competitiva 
        na economia global. O acesso efetivo e amplo ao mercado europeu, em particular 
        para os produtos nos quais o MERCOSUL apresenta claras vantagens competitivas, 
        é também um objetivo prioritário. Nessa perspectiva, 
        ocupa um lugar central conseguir um acesso preferencial e efetivo ao mercado 
        europeu de produtos elaborados e diferenciados originários do MERCOSUL. A associação estratégica bi-regional é uma 
        proposta inédita, ambiciosa e complexa.  É inédita por ser a primeira experiência de um pacto 
        de cooperação e integração entre duas regiões 
        organizadas e em plena evolução para metas próprias 
        mais avançadas. Será o espaço de livre comércio 
        bi-regional mais amplo do mundo. É uma proposta ambiciosa, pois aspira ser um modelo no sistema 
        contemporâneo de relações internacionais, pelo qual 
        duas regiões organizadas e com diferentes graus de desenvolvimento 
        decidem trabalhar juntas para incrementar suas relações 
        recíprocas e para contribuir para o fortalecimento do sistema internacional 
        global. Nesse sentido, a associação estratégica bi-regional 
        pode abrir novos rumos nas relações entre países 
        do Norte e do Sul.E é uma proposta complexa precisamente por se tratar da associação 
        entre duas regiões organizadas, com diferenças em sua evolução, 
        como processos de integração e marcadas disparidades em 
        seus respectivos graus de desenvolvimento econômico, especialmente 
        no plano industrial e tecnológico e de seus mercados. Daí 
        o interesse do MERCOSUL em obter um acordo que seja ao mesmo tempo equilibrado 
        e efetivo, que contemple as notórias diferenças existentes 
        no plano econômico entre as duas regiões.
 5. A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NA CONSTRUÇÃO 
        DE UMA ASSOCIAÇÃO ESTRATÉGICA BI-REGIONAL Pela natureza própria de ambos os processos de integração, 
        uma associação estratégica bi-regional entre a União 
        Européia e o MERCOSUL, precisa arraigarse na legitimidade 
        social de suas respectivas cidadanias. Consegui-lo será parte essencial 
        de uma tarefa de longo prazo. Nessa perspectiva, pode-se afirmar que a construção efetiva 
        de uma aliança estratégica bi-regional sólida e equilibrada 
        exigirá tempo. A conclusão e assinatura do acordo de 
        associação e, depois, sua entrada em vigência após 
        as aprovações dos respectivos parlamentos e sua devida ratificação 
        serão somente o início de um longo processo. Muito provavelmente, 
        o próprio acordo conterá cláusulas que facilitem 
        sua evolução posterior. Uma primeira instância para firmar o acordo que se obtenha nas 
        respectivas opiniões públicas será precisamente sua 
        aprovação parlamentar. Na medida em que seja resultado de 
        um debate fundado e transparente, que se projete para toda a cidadania, 
        o acordo começará sua vigência com pleno conhecimento 
        por parte da sociedade civil, sobre seus alcances e seus potenciais. É 
        um dçbate que se deve dar simultaneamente -além do âmbito 
        parlamentar - nos meios de comunicação, na esfera acadêmica 
        e nas instituições representativas da sociedade civil, entre 
        outras, as empresariais e sindicais. Depois, será necessário que, como resultado do próprio 
        acordo bi-regional, as instituições representativas da sociedade 
        civil possam ter uma participação efetiva no seguimento 
        do processo de associação, na avaliação de 
        seus efeitos e na evolução de seus compromissos ao longo 
        do tempo. A própria experiência européia indica que quanto 
        a maior participação institucionalizada da sociedade 
        civil, em todas as suas expressões, e quanto maior o debate público 
        sobre os alcances e implicações de um processo de integração 
        neste caso, de associação entre duas regiões 
        organizadas - maior será o potencial de aceitação 
        e de legitimidade social dos compromissos que forem assumidos no marco 
        do acordo. Quando as coisas não foram assim, a integração 
        européia enfrentou sérias dificuldades, como ficou claro 
        no processo de aprovação da Constituição Européia. Nesse sentido, a participação parlamentar é fundamental. 
        Nesse plano, aUnião Européia também avançou substancialmente 
        mais que o MERC,OSUL. Mas o MERCOSUL comprometeu-se por um Protocolo firmado 
        em dezembro 2005 a criar um Parlamento regional. Esse fato, quando se 
        concretizar, permitirá gerar canais de comunicação 
        e de cooperação eficazes entre as respectivas instituições 
        parlamentares, independentemente de suas distintas modalidades e respectivos 
        graus de evolução.
 Também é fundamental que em uma associação 
        que aspira transcender o plano do comercial, o capítulo social, 
        as instituições de concertação social e trabalhista 
        e a participação sindical ocupem um lugar prioritário. 
        Novamente, nesse plano, a experiência européia é muitO 
        ampla. Através dos mecanismos de participação dos 
        setores sociais e de cooperação econômica que sejam 
        estabelecidos no acordo bi-regional, será possível 
        transferir tal experiência ao âmbito do MERCOSUL. Um aspecto fundamental para o êxito do processo de associação 
        bi-regional será o da participação das pequenas e 
        médias empresas das duas regiões no aproveitamento 
        das oportunidades de investimento e de comércio que se abrirão 
        no espaço econômico ampliado. Tal grau de participação 
        será, inclusive, um critério importante para avaliar a qualidade 
        do processo de associação bi-regional. Para isso, será preciso que os compromissos assumidos no plano 
        da integração comercial sejam suficientemente amplos e efetivos, 
        para que todas as empresas, mas em particular as pequenas e médias, 
        possam adotar decisões racionais de investimento produtivo - incluindo 
        sua associação em redes transnacionais - com a certeza de 
        que seus produtos e serviços poderão ter acesso a todos 
        os consumidores dos mercados das duas regiões. Isso é 
        o que permitirá assegurar impactos significativos da associação 
        bi-regional no emprego e nos investimentos, especialmente da região 
        menos desenvolvida que é, sem dúvida, a do MERCOSUL. No caso precisamente do MERCOSUL, o efeito social e econômico será 
        tanto mais amplo quanto maior for a abertura efetiva dos mercados para 
        produtos que incorporem valor intelectual, seja na etapa de produção 
        como na de distribuição e comercialização. 
        É na densidade do comércio de produtos diferenciados, 
        resultante de novos investimentos, especialmente naqueles setores em que 
        o MERCOSUL é claramente competitivo, onde será possível 
        medir os verdadeiros alcances práticos do acordo de associação 
        bi-regional. O MERCOSUL está avançando em sua estratégia de desenvolvimento 
        de cadeias produtivas integradas. A idéia é que os foros 
        de competitividade sejam um dos instrumentos utilizados a respeito. A 
        vinculação de empresas européias à integração 
        de cadeias de valor em escala bi-regional será um dos efeitos mais 
        apreciados da associação entre a União Européia 
        e o MERCOSUL. Nessa perspectiva, a ampla experiência européia em ajudar 
        países menos desenvolvidos - por exemplo, da Europa Central e Oriental 
        e do Mediterrâneo em sua transição para a consolidação 
        democrática e a modernização econômica e social 
        pode ser um dos aspectos mais positivos de sua cooperação 
        econômica como MERCOSUL. Facilitar de tal forma o processo de modernização 
        empresarial na região e, em especial, a preparação 
        das pequenas e médias empresas para competir com êxito no 
        espaço econômico ampliado, deveria ser um objetivo prioritário 
        na cooperação econômica com o MERCOSUL. Por sua vez, os países do MERCOSUL podem tirar proveito da experiência 
        acumulada pelo Chile e o México em seus respectivos acordos de 
        livre comércio com a União Européia. Um aspecto fundamental 
        da experiência chilena, por exemplo, foi precisamente o da preparação 
        de suas empresas pequenas e médias para aproveitar as oportunidades 
        abertas pelo acordo de livre comércio com a União Européia. Um fator importante para conseguir uma participação ampla 
        da sociedade civil na construção da associação 
        bi-regional entre o MERCOSUL e a União Européia será 
        a disseminação de informação ampla e oportuna 
        sobre o acordo que se obtenha e sua posterior aplicação. 
        Tal informação, canalizada pela Internet, deveria enfatizar 
        a transparência das regras do jogo e as oportunidades comerciais 
        abertas pelo acordo de associação. [5] O critério predominante a esse respeito deveria ser facilitar 
        o acesso a toda informação que possa ser relevante para 
        as instituições representativas da sociedade civil, bem 
        como para a inteligência competitiva das empresas que aspirem aproveitar 
        as oportunidades resultantes do espaço econômico ampliado. Finalmente, cabe ao setor acadêmico de ambas as regiões 
        desempenhar um papel significativo na análise dos efeitos do acordo 
        de associação bi-regional e na disseminação 
        de informações e estudos que facilitem uma participação 
        efetiva da sociedade civil em seu desenvolvimento. Apoiar tais atividades 
        deveria ser também uma prioridade dos programas de cooperação 
        econômica da União Européia. Em particular, a inserção 
        de instituições acadêmicas do MERCOSUL, incluindo 
        os centros de pesquisa científica e tecnológica, na ampla 
        rede de centros e de programas que existem na União Européia 
        seria um aporte eficaz ao desenvolvimento de um denso tecido de integração 
        produtiva entre as duas regiões. 6. ESTADO ATUAL E PERSPECTIVAS FUTURAS DAS NEGOCIAÇÕES 
        PARA UMA ASSOCIAÇÃO ESTRATÉGICA ENTRE O MERCOSUL 
        E A UNIÃO EUROPÉIA Com base no ocorrido nos últimos anos, é possível 
        formular algumas perguntas em torno da experiência acumulada no 
        caminho já percorrido, a fim de chegar ao ambicioso objetivo de 
        concretizar uma associação estratégica bi-regional 
        com conteúdo político e econômico relevante. Como observamos mais acima, é preciso lembrar que as duas regiões 
        reconheceram desde o começo o valor político e estratégico 
        - e não exclusivamente econômico e comercial - da associação 
        bi-regional, bem como seria difícil conseguir que as negociações 
        culminassem com êxito nos prazos estabelecidos. As negociações foram efetivamente longas, complexas e, 
        sobretudo, arrítmicaso Em certos momentos, entraram em prolongados 
        períodos sem ações relevantes. Até a etapa 
        final, predominaram dificuldades e incertezas. Às vezes, deram 
        a sensação, talvez incorreta, que nenhuma das partes podia 
        reconhecer que não estava em condições de chegar 
        a um acordo, ao menos concedendo o mínimo que a outra parte podia 
        considerar como aceitável. Inclusive, o acompanhamento das negociações pelos meios 
        de comunicação -muitas vezes, a única fonte acessível 
        para os que não eram negociadores - dava a impressão - talvez 
        também incorreta - de que a principal preocupação 
        de cada parte era fazer recair sobre a outra a responsabilidade de um 
        eventual fracasso. E, em última instância, ambas as partes 
        pareciam coincidir, por distintos motivos, em evitar que se instalasse 
        a idéia de que o não cumprimento do prazo proclamado poderia 
        ser visualizado como um fracasso.As principais dificuldades enfrentadas nessas negociações 
        tiveram que ver, entre outros fatores, com:
 
        o grau de ambição nos objetivos perseguidos: um acordo 
          de associação estratégica, assentado sobre três 
          pilares, um político, o outro de cooperação econômica 
          e o terceiro, de livre comércio entre duas uniões alfandegárias 
          com distintos graus de avanços reais em sua evolução;
 
as pronunciadas assimetrias entre ambas partes, definidas em termos 
          de dimensão econômica dos respectivos espaços regionais 
          e de grau de desenvolvimento relativo de seus membros, nem sempre reconhecidas 
          nas posições negociadoras da UE, ao menos tal como elas 
          são percebidas pelo MERCOSUL;
 
as também fortes diferenças no valor relativo e no grau 
          de prescindibilidade, de cada região com respeito à outra, 
          em particular em termos de segurança, de comércio, de 
          investimentos e de progresso técnico;
 
as diferenças institucionais: existência, em um caso, 
          de um órgão comum que negocia em nome do bloco econômico 
          sob um mandato estabelecido pelos países membros e, no outro, 
          a coordenação rotativa das negociações a 
          cargo de um país-membro em exercício da presidência 
          semestral e sem intervenção de um órgão 
          técnico que assegure a continuidade e que expresse a visão 
          de conjunto dos sócios;
 
a simultaneidade das negociações com as desenvolvidas 
          - com agendas similares - no âmbito da OMC e da ALCA, isto é, 
          com os Estados Unidos, país com especial gravitação 
          política e econômica tanto no MERCOSUL como na UE. A seguir perguntas que podem ser formuladas em torno do estado de avanço 
        dessas negociações que, pelos fluxos de comércio 
        e pelos investimentos envolvidos, constituem um eixo principal da construção 
        da associação estratégica entre o MERCOSUL e a União 
        Européia. 
        Foi o fracasso de outUbro 2004, data prevista para concluir o acordo 
          biregional, a manifestação de uma oportunidade desnecessariamente 
          perdida? É uma pergunta válida, se levarmos em conta que 
          os negociadores não puderam encontrar uma fórmula criativa 
          que permitisse criar a associação biregional. Eventualmente, 
          se poderia ter, por exemplo, desdobrado os resultados das negociações 
          em duas etapas, incluindo na primeira o estabelecimento formal da associação 
          bi-regional com um estoque preferencial equilibrado, mas limitado, e 
          com compromissos concretos em relação aos pilares político 
          e de cooperação. Uma segunda etapa da negociação 
          poderia ter-se completado uma vez concluída a Rodada de Doha. 
          A figura da etapa de transição, incluindo cláusulas 
          evolutivas e o cumprimento de condições para sua aplicação, 
          a fim de completar gradualmente a liberação do substancial 
          do intercâmbio, prevista no artigo XXIV do GATT-1994, teria talvez 
          facilitado uma aproximação dessas características.
 
Foram os métodos de negociação empregados os 
          mais adequados para as características específicas de 
          ambas as regiões? A descontinuidade dos negociadores pelo lado 
          do MERCOSUL - como conseqüência da rotação 
          semestral do exercício da presidência pró-tem pore 
          e da ausência de um secretariado comum habilitado para participar 
          das negociações - e a separação emcompartimentos 
          estanques da abordagem dos três pilares da negociação 
          isto é, o político, a cooperação e o livre 
          comércio - podem ter contribuído para a insuficiência 
          de impulso político e de sistemática no esforço 
          negociador.
 
Houve por parte da União Européia uma vontade suficiente 
          de compensar com progressos significativos no plano do acesso aos mercados 
          de produtos agro-industriais as notórias dificuldades para avançar 
          no plano dos subsídios às exportações agrícolas 
          e à produção, questões dependentes do que 
          se negocie na Rodada de Doha? E foi o enfoque predominante do lado europeu 
          funcional para a idéia de uma associação bi-regional 
          que contribuísse para a integração e o desenvolvimento 
          dos países do MERCOSUL?
 
Existem suficientes incentivos políticos e econômicos 
          de ambos os lados para concluir um acordo ambicioso como o proposto, 
          levando em conta o balanço de custos internos que sua conclusão 
          envolveria? As respostas a estas perguntas e a outras que possam surgir do necessário 
        debate público sobre a experiência acumulada pelas duas regiões 
        nesses últimos anos, depois de dezenas de reuniões, incluindo 
        as do mais alto nível político, com centenas de horas de 
        negociações e fortes expectativas geradas, permitirão 
        enriquecer uma nova etapa das relações entre as duas regiões. Na medida em que esse debate se desenvolva com franqueza e se traduza 
        em novas iniciativas que permitam tirar proveito da experiência 
        acumulada, é possível ainda sustentar que a associação 
        estratégica tem futuro. 
 [1] Este artigo baseia-se na introdução que o autor escreveu 
        para o livro E! Mercosur y la Unión Europea, resultado de um projeto 
        conjunto da Universidade Nacional Tres de Febrero (UNTRF), o CEFOP e a 
        Delegação da Comissão Européia na Argentina, 
        publicado por Eduntref, Buenos fures, 2004, páginas 16-25. [2] Ver PENA, Félix "Los grandes objetivos del Mercosur (zona 
        de libre comercio, unión aduanera y mercado común): elementos 
        para apreciar progresos alcanzados en los primeros quince afios del Mercosur 
        como proceso voluntario de integración comercial y económicà", 
        apresentação ao Seminário "15 Anos do MERCOSUL: 
        Avaliação e Perspectivas", otganizado pela Fundação 
        Memorial da América Latinà', São Paulo, 27 e 28 de 
        março de 2006. Ver o texto em: http://www.memorial.sp.gov.br. [3] Ver PENA, Félix. La compleja red de cumbres presidenciales: 
        reflexiones sobre el sentido y Ia eficacia de Ia diplomacia presidencial 
        multilateral y multi-espacial en el caso de los países sudamericanos. 
        Su dimensión económica. Revista América Latina Hoy, 
        Universidad de Salamanca, outubro de 2005. [4] Para uma informação detalhada sobre os antecedentes 
        e o desenvolvimento do processo negociador bi-regional, ver as páginas 
        da União Européia, hrtp:lleuropa.eu.int, da Chancelaria 
        Argentina, www.mrecic.gov.ar, 
        e da Chancelaria do Brasil: www.mre.gov.br. 
        Para uma apreciação acadêmica independente sobre as 
        negociações União Européia-MERCOSUL, ver os 
        informes e estudos elaborados pelo grupo de especialistas da Cátedra 
        MERCOSUL de Sciences-Po, Paris, em www.chairemercosur.sciences-po.fr. 
        Para informação sobre a posição do setor empresarial, 
        ver o livro do Foro Empresarial MERCOSUL-União Européia. 
        Recomendações para um Acordo de Livre Comércio. Documentos 
        da IV Conferência em Brasília, OUtubro, 2003, MEBF-Fundação 
        Konrad Adenauer, Rio de Janeiro, 2004. [5] A respeito, ver os arrigos de Félix Pena, sobre "Sociedad 
        civil, transparencia y legitimidad en los procesos de integración 
        y en Ias negociaciones comerciales: un enfoque sobre Ia experiencia dei 
        Mercosur y algunas lecciones para Ias negociaciones con Ia Unión 
        Europeà', de setembro 2003 (www.fpena.fbkb.com.ar). e de Susanne 
        Gratius, sobre "The civil society knot: how tO enhance the societal 
        legitimacy of the EU-MERCOSUL Agreement", de abril 2003, ambos preparados 
        para a Cátedra MERCOSUL de Sciences-Po, Paris (www.chairemercosur.sciences-po.fr) |